Sexta-feira, 27 de março de 2020
Última Modificação: 19/04/2021 11:19:44 | Visualizada 753 vezes
Ouvir matéria
U R G E N T E
OBJETO: Prevenção. Pandemia. Coronavírus. Aquisição de Insumos (álcool
gel, máscaras, etc). Superfaturamento. Possível Abuso de Empresários e Fornecedores. Utilização da ‘requisição administrativa’. Orientação aos Prefeitos.
DESTINATÁRIOS: Prefeitos, procuradores jurídicos, secretário municipal de
saúde, equipe de licitação e controladoria interna de SANTA FÉ, LOBATO FLÓRIDA, ÂNGULO, MUNHOZ DE MELO e NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS.
REMETENTE: MPPR - GEPATRIA – REGIONAL MARINGÁ
RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por meio de seu
órgão de execução, no uso de suas atribuições legais e com fundamento no artigo 127, caput, e artigo 129, incisos II e III, ambos da Constituição Federal; artigo 120, incisos II e III, da Constituição do Estado do Paraná; artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei n.º 8.625/1993; artigo 58, incisos VII e XII, da Lei Complementar Estadual n.º 85/1999; Artigo 107 do Ato Conjunto PJG/CGMP/PR n. 01/2019[1].
CONSIDERANDO a instauração, neste órgão do Ministério Público, do Procedimento Administrativo n.º MPPR-0088.20.001834-4, para acompanhar e fiscalizar a aquisição de insumos na área da saúde pelos Municípios de SANTA FÉ, LOBATO FLÓRIDA, ÂNGULO, MUNHOZ DE MELO e NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS, em decorrência da pandemia de Coronavírus (Covid-19).
CONSIDERANDO que, em razão das medidas adotadas para conter a
transmissão do vírus e o agravamento dos casos no âmbito dos serviços públicos de saúde, tem sido possível que Municípios realizem dispensa de licitação para a aquisição de insumos de saúde (álcool em gel, máscaras, etc.), procedimento este autorizado pelo artigo 4º da Lei nº 13.979/2020, que prevê:
Art. 4º Fica dispensada a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei.
§ 1º A dispensa de licitação a que se refere o caput deste artigo é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.
§ 2º Todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nesta Lei serão imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição.
CONSIDERANDO que, em alguns casos, os entes da Administração Pública têm se deparando com o superfaturamento de preços dos insumos por parte de fornecedores, o que desautoriza a aquisição dos produtos mediante dispensa de licitação, por ilegalidade na justificativa apresentada quanto ao preço de mercado (artigo 26, inciso III, da Lei nº 8.666/1993) e contrariedade ao interesse público.
CONSIDERANDO que a observância do preço adequado na aquisição de
produtos pela Administração Pública é objeto de tutela em diversos dispositivos da Lei de Licitações, caracterizando inclusive crime sua elevação arbitrária pelo particular (artigo 7º, § 8º e 9º; artigo 15; artigo 24, inciso XXXIV; artigo 43, inciso IV; artigo 44, § 3º; artigo 55, inciso III; e artigo 96, inciso I).
CONSIDERANDO que, nessas hipóteses, diante do reconhecido
enfrentamento de emergência de saúde pública em âmbito internacional, deflagra-se a possibilidade de a Administração Pública se valer do instituto da requisição administrativa, para evitar danos ao erário e preservar os interesses da coletividade.
CONSIDERANDO que a requisição administrativa é modalidade de
intervenção estatal na propriedade privada por meio da qual o Estado utiliza bens móveis, imóveis e serviços particulares em situação de perigo público iminente.
CONSIDERANDO que o artigo 5º, inciso XXV, da Constituição da República de 1988, dispõe que “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.
CONSIDERANDO que o artigo 170, inciso III, da Constituição da República, estabelece que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) III - função social da propriedade”.
CONSIDERANDO que a Lei nº 8.080/1990, a qual “dispõe sobre as
condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes”, assim prevê em seu artigo 15:
Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições:
(...)
XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização;
CONSIDERANDO que o artigo 1.228, § 3º, do Código Civil, disciplina que “O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente”.
Expede a presente RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA, a fim
de que o Prefeito Municipal, o Secretário Municipal de Saúde, o Procurador-Geral do Município, a Equipe de Licitação e o Controlador-Interno do Município, observem o seguinte:
PRIMEIRO – Caso necessária a aquisição, por licitação ou dispensa de licitação, de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da pandemia Coronavírus (Covid-19), sejam cumpridos os requisitos legais e, quanto à dispensa de licitação, aqueles do artigo 26, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993 e artigo 4º da Lei nº 13.979/2020.
SEGUNDO – Dentre esses requisitos legais, promova-se a adequada justificativa para a compra e a ampla pesquisa de preços.[2]
TERCEIRO – Após o cumprimento das formalidades legais, caso verificado manifesto sobrepreço nos itens pesquisados e resistência do particular em promover o fornecimento pelo justo e real preço de mercado, delibere motivadamente quanto à adoção da requisição administrativa, na forma do artigo 5º, inciso XXV, da Constituição da República de 1988; artigo 1.228, § 3º, do Código Civil; e artigo 15, inciso III, da Lei no 8.080/1990.
QUARTO – Optando-se pela requisição administrativa, sua execução deve ocorrer em procedimento administrativo próprio, de forma fundamentada, e mediante a fixação do justo preço, que deve ser posteriormente pago ao particular.
QUINTO – Insira cópia desta Recomendação Administrativa no Portal da Transparência do Município, a fim de lhe conferir ampla publicidade, pois aborda matéria de interesse coletivo (artigo 8º, caput, da Lei nº 12.527/2011).
O descumprimento das medidas recomendadas poderá implicar
responsabilização por ato de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992), sem prejuízo da apuração da prática de eventual crime, inclusive do empresário fornecedor, representação perante o Tribunal de Contas do Paraná e adoção das providências judiciais necessárias para compelir o Município a cumprir a legislação em vigor.
Fica estabelecido O PRAZO DE DEZ (10) DIAS ÚTEIS para
manifestação das autoridades destinatárias quanto às medidas adotadas para cumprir esta Recomendação Administrativa, a partir do seu recebimento, devendo a resposta estar instruída com a correspondente comprovação documental. Maringá, data assinatura digital.
Nivaldo Bazoti
Promotor(a) de Justiça – Coordenador do Gepatria Maringá
[1] Art. 107. A Recomendação é instrumento de atuação extrajudicial do Ministério Público, sem caráter coercitivo, por intermédio do qual se expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídicas sobre determinada questão, com o objetivo de propor ao destinatário a adoção de providências, omissivas ou comissivas, tendentes a cessar a lesão ou ameaça de lesão a direitos objeto de tutela pelo Ministério Público, atuando, também, como instrumento de prevenção de responsabilidades ou correção de condutas.
[2] Dentre outros, sugere-se: Banco de Preços em Saúde (http://bps.saude.gov.br/login.jsf); Código BR (http://www.saude.gov.br/gestao-do-sus/economia-da-saude/banco-de-precos-em-saude/ catalogo-de-materiais-catmat); ComprasNet (https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/comprasnet-mobile), Menor Preço (https:// compras.menorpreco.pr.gov.br); Painel de Preços( http://paineldeprecos.planejamento.gov.br).